Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris
A viagem, sobretudo de motocicleta, é feita de contínuos e agradáveis encontros.
Em alguns instantes, uma frase simpática é lançada, a réplica chega, a conversa se instala, as convergências aparecem e a curiosidade mútua pede um novo encontro para a troca de experiências e uma convivência fraterna, aberta, sincera e desinteressada.
Esse é o universo de motociclistas mordidos pela curiosidade da viagem nesse perfeito veículo, sem importar realmente sua nacionalidade, sua crença, sua raça ou suas origens.
Desembarco no pequeno e triste porto de pesca ao mesmo tempo que a tempestade tropical chega com intensidade sobre Kawthong em uma espécie de alegoria do momento político do país. Águas de Março, em novembro.
Estou na Birmânia, hoje batizada por sua ditadura militar, de Mianmar.
Sou recebido ainda no cais, sob um aguaceiro de dar inveja a Gabriel Garcia Márquez em sua Macondo, por um homem que lembra Andy Garcia em uma versão mais caseira e com menos acabamento.
Olhos injetados, dentes vermelhos, cabelo e pele escuros, vestindo o tradicional longhi, o sarong local, (que substitui a calça comprida para os homens), ele me intercepta e o que segue é uma cena absurda, se levarmos em conta o lugar, o tempo, as pessoas e o momento presente.
Em longas viagens de moto, como a que estou a realizar, as metrópoles, sobretudo capitais, não fazem para mim propriamente o ponto alto, a melhor parte do percurso.
Confesso que tenho uma certa resistência a entrar, cruzar, permanecer e sair dessas grandes aglomerações, geralmente difíceis de se localizar, de se situar, de se identificar e mesmo de encontrar o seu próprio lugar entre outros milhões de seres de nossa raça que vivem e circulam nesses enormes formigueiros.