Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

29/09/2015 - Porto Coreano

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Após desembarcar a moto no porto coreano, o agente de Alfândega convida-me a entrar em seu escritório, para os procedimentos e formalidades, não sem antes fazer um gesto para que eu tire o calçado.
Foco torcendo para que minhas meias estejam apresentáveis e removo minhas botas.
Ele me fornece um par de chinelos que calçam a metade de meu pé.
Tem sido uma constante esse problema nas últimas semanas...
Chinelinhos de meio-pé para um grandão como eu...
Ele me mostra e confere o formulário de importação temporária com os dados que enviei por Internet.
Em seguida, saímos (eu com o chinelinho de gueixa) e ele confere o número de série diretamente na moto.
Pago as taxas de importação temporária e o seguro por 10 dias e estou liberado para rodar na República da Coréia.
Processo simples e rápido que não levou mais do que 15 minutos.
A boa notícia é que volto a conduzir do lado direito, muito mais natural para mim.
A má notícia é que na Coréia, motocicletas não são autorizadas a circular nas auto-estradas.
Com isso, passo a ter um problema adicional e relativamente sério: eu não trouxe mapa deste país, (mais uma vez para economizar espaço na bagagem) , e tampouco tenho as cartas de GPS para para a Coréia que conto baixar quando chegar a algum hotel com Wifi decente.
Assim, estou de novo na situação de que qualquer direção me serve.
Opto de seguir a linha da costa para o norte, com o mar à minha direita, com a intenção de chegar e percorrer DMZ (Demilitarised Zone) tristemente famosa linha de demarcação da fronteira mais tensa e militarizada do mundo, com a nervosa, imprevisível e sempre ameaçadora Coréia do Norte.
O dia, de sol e 25 graus de temperatura, está excelente para rodar de moto.
É sempre um momento extraordinário quando fazemos os primeiros quilômetros em um novo país.
A descoberta das pequenas regras de trânsito, a maneira de conduzir, o tempo é movimentpo dos semáforos, a forma de estacionar, de ultrapassar, de fazer stop, etc.
São pontos importantes para a segurança que precisamos assimilar rapidamente para melhor nos adaptarmos à circulação e viagem no país em questão.
Os coreanos não conduzem no mesmo grau de disciplina que seus quase-vizinhos, os japoneses.
Aliás, acho que ninguém no mundo tem a disciplina e o auto-controle dos japoneses. Aquele, é seguramente um mundo aparte.
Os coreanos tendem a ser um pouco mais flexíveis em suas regras, utilizando aquele "stop" brasileiro, sem realmente parar o carro, eventualmente uma ultrapassagem de leve pela direita, mudanças de direção não muito regulares e mesmo a passagem no sinal vermelho por falta da paciência de esperar a troca de cor.
Motos não são muito bem vistas no país, é o que percebi na conversa com o agente e na atitude dos motoristas.
São consideradas perigosas. (Qual é a novidade?)
Mesmo assim, há um grande número de motocicletas circulando na estrada em que me encontro.
Como na Europa, motociclistas se cumprimentam e se mostram curiosos em relação ao viajante e sua moto.
Estou, pelo que fui informado, no meio de um longo feriado nacional com a duração de cinco dias.
Uma mistura de dia dos pais, das mães, dos avós e de todo os outros antepassados.
Os filhos e netos vem passar esses dias com seus genitores para celebrar a família e suas origens.
Com familias inteiras reunidas e portanto, muita gente pelas ruas, faço uma pausa em um belo e animado porto pesqueiro para visitar o borbulhante e barulhento mercado local de peixe.
Depois de duas semanas no Japão, tinha esquecido de como pessoas podem ser espontâneas e ruidosas.
Os coreanos, se eu tentar fazer uma primeira definicao, individualmente se parecem um pouco aos japoneses, mas sem a gravata. Bem menos formais.
Ou, quando em conjunto, são talvez um pouco como os chineses, alegres, barulhentos e espontâneos, mas com melhores sapatos.
Círculo tranquilamente no mercado curtindo os enormes carangueijos centola pescados nas costas da Sibéria por barcos coreanos e que farão o cardápio durante os feriados.
Tento almoçar um.
O preço, 100 dólares por unidade. Proibitivo.
Quiçás seja preço para estrangeiro. Desisto.
Entre sorrisos e gestos amigáveis, vou passando entre lulas, (outra especialidade que encontrarei pendurada para secar por todo o país) lenguados, enguias e outros peixes, todos vivos e conservados em tanques de água corrente.
O cliente só aceita consumir o peixe que chegue vivo até seu prato. Muitas vezes, que esteja vivo no próprio prato.
Não encontro o mesmo nível de limpeza dos nipônicos nas ruas, mas tampouco é de todo mau.
A arquitetura de maneira geral, no que tenho visto é kitsch e de extremo mau gosto, exceção feita para as casas mais tradicionais com seus telhados coloridos e de pontas reviradas à maneira oriental.
Há uma enorme poluição visual em termos de letreiros, cartazes, outdoors, e tudo mais que possa chamar a atenção para o que se vende em um país ferozmente capitalista.
Assim, em observacoes e reflexoes onde descubro novos lugares e uma nova cultura, chego à um pequeno vilarejo visivelmente de verão e procuro por um hotel conveniente, para terminar o dia, antes de iniciar a busca complicada de um lugar conveniente para jantar.
Os coreanos, tradicionalmente dormem sobre uma fina colchonete no chão.
Os quartos de hotel muitas vezes não tem camas por isso, é prudente perguntar antes.
Retira-se os sapatos na entrada do quarto e há sempre disponivel o meio-chinelo para calçar o meu meio-pé.
Na Coréia, como estrangeiro, se há um lugar que te provoca realmente uma certa inquietude, é o restaurante.
Primeiro, porque você senta no chão, junto a uma mesinha de 30 cm de altura.
Para quem não está acostumado, é câimbra nas pernas e dor nas costas na certa, pela duração do jantar.
Segundo, porque ninguém fala inglês. Explicar o que se deseja, ou não se quer comer, torna-se um desafio de boa monta.
Terceiro, porque você não vai reconhecer nenhum tipo de prato, ou o que há dentro dele...
Quando o seu chegar, será sempre uma retumbante surpresa.
E quarto, porque invariavelmente todos os pratos virão carregados de pimenta a ponto de fazer ruborizar o bahiano mais empedernido.
Você não vai comer o que quer comer. Não há hambúrgueres, bifinhos, sanduíches, pizzas ou espagueti.
Contente-se com toucinho grelhado, peixes crus ou cozidos em muita pimenta, criaturas marinhas diversas, conhecidas ou não, e uma enorme variedade de peixe seco e/ou salgado.
Este último, a ser degustado como aperitivo, sem preparação, acompanhado de champignons frescos e crus.
Começo a pensar que a minha estada na Coréia vai ser uma gincana de paladares, desafios e descobertas.
O visitante terá simplesmente que se armar de uma boa dose de coragem.
Quem sabe há coisas bem mais arriscadas do que andar de moto em uma autoestrada coreana, não é mesmo?
Ricardo Lugris
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Comentários (1)

4/10/2015 08:55:12
CÉLIO BENÍCIO
Caro Ricardo Lugris
Obrigado pela agradável e rica carona nesta belíssima viagem!
Sempre em frente, fique bem!
Abraço
 

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