Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

27/08/2015 - Entre Londres e a Mongólia

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Gérard e Dietrich chegam pontualmente à hora marcada em meu hotel em Irkutsk, com sua valente Citroën, de ares cansados e batidos por uma viagem extraordinária entre Londres e a Mongólia.
É um encontro inusitado e improvável pois as variáveis e as possibilidades de não nos cruzarmos, eram muitas.
Almoçamos juntos em um pequeno bistrot, chamado Monet, que nos faz reviver momentos compartidos anos atrás, em Paris.
Meus amigos chegam com a fumaça que se espalha desde a parte oriental do Lago Baikal.
Há semanas as autoridades Russas lutam contra extensos incêndios florestais em torno do grande lago, causados pela seca e pelas altas temperaturas neste verão siberiano. Há dias venho viajando com sol a pino e 35 graus.
Como se fosse uma densa neblina, a fumaça branca já chega a Irkutsk, localizada a 60 km do lago.
É uma verdadeira lástima do ponto de vista ecológico e também sob o aspecto econômico, pois o verão da Sibéria dura apenas dois meses e o Lago Baikal tem uma grande importância para o turismo da região.
Na companhia de meus amigos, fazemos um tranquilo passeio pelas elegantes avenidas de Irkutsk, outrora chamada de "a Paris da Sibéria".
Na manhã seguinte, combinamos um encontro em Baikalsk, às margens do lago, esperando que a fumaça dê uma trégua e que se possa ver algo.
Saio cedo, para ter assim tempo e oportunidade de conhecer alguns pontos interessantes em torno desse fabuloso depósito de agua potável.
O lago é limpo em toda a sua extensão e você pode beber diretamente dele, sem qualquer risco.
Chego a Baikalsk, um vilarejo se maiores atrativos e instalo-me em um banco da praça principal para esperar por meus amigos que, além de viajar bem mais lentamente em sua velha Citroën, tinha saído mais tarde de Irkustk.
Ali, na pequena praça, coloco em dia meus mails, leio, faço um lanche, organizo meu material e, sobretudo, observo as pessoas.
Gosto de observar gente e imaginar como serão suas vidas, seu cotidiano.
Serão felizes? Amam? São amadas? Tem insônia? Que tipos de estresse pode haver em um lugar assim?
Entre uma observação e outra, há pessoas que, atraídas pela curiosidade e o inusitado da moto, adquirem suficiente coragem para tentar uma conversa comigo e sentar-se ao meu lado.
Afinal, esse banco lhes pertence.
E, um pouco como naquele programa humorístico "A praça da alegria", vejo passar pessoas e personagens que visivelmente esperam por um ônibus, ou por Godot, não sei ao certo.
Três horas depois, chegam meus camaradas com a interessante sugestão de fazermos camping para essa noite.
Gérard informou-se sobre uma praia onde se pode acampar e curtir o lago.
Para chegar a esse lugar é necessário percorrer uns 2 km de uma estradinha em péssimo estado.
Como Gérard está preocupado pela suspensão da Citroën, eu me proponho a ir com a moto e o convido a vir comigo na garupa.
A praia é muito agradável e os locais nos propõem peixe frito para o jantar. Decidimos então, instalarnos.
Na volta, a moto derrapa na lama e tomba de lado. Nada de grave, somos três para levantá-la.
Isso me serve como aviso para estar atento, sobretudo quando estou só, o que é a maior parte do tempo.
Acampar quando faz bom tempo e quando o lugar é bonito, é uma das coisas mais agradáveis para mim.
Sobretudo quando temos a companhia e a boa conversa de amigos do calibre de Gérard e Dietrich.
Um bom banho nas águas frias do Baikal e em seguida, a conversa rola fluida e interessante sobe viagens, política e sobre as boas coisas da vida.
Dietrich, nos regala com deliciosas batatas cozidas que acompanhia o bom peixe do Baikal preparado pelos administradores do camping.
Amanhece com chuva.
"Enrolo" um pouco no interior aconchegante de meu saco de dormir, ouvindo os pingos da chuva chegando à tela da barraca.
A noite foi dura, os trens transsiberianos circularam de 5 em 5 minutos a apenas 200 metros de minha barraca. Uma tortura. Sonhei com Auschwitz.
A chuva para. É hora de preparar e partir.
Meus amigos vão ficar voando um Drône que trouxeram em sua viagem e aproveitam para, desde o mesmo, filmar minha saída da praia com a moto.
Em poucos kms atravesso para o lado oriental do Baikal e a fumaça está presente, branca, espessa, como uma neblina matinal.
Vejo lugares queimando e detenho a moto.
Com surpresa, percebo que o que está queimando em torno ao belo Baikal não é a floresta e sim, a terra SOB a mata.
A terra aqui tem um alto teor de carvão em seu componente. É a chamada "turba", que em muitos países, foi usada como combustível durante muitos anos. Ainda hoje, na Irlanda e na Escócia existe quem aqueça a casa com blocos cortados no solo e deixados secar ao sol.
O malte escocês fabricado nas Ilhas Hebridas tem um bouquet e gosto defumado. Isso provém da turba utilizada para sua destilação. (Nota do apreciador que há 4 semanas não prova uma gota de um bom whisky...).
Controlar um incêndio que vem por baixo da terra e que queima as árvores a partir de suas raízes não é fácil.
Não adianta enviar aviões bombardeiros de água. A solução é localizar o foco de fogo e utilizar " bulldozers" para escavar, com um alto custo ecológico.
Uma pena, realmente.
Chego a Ulan Ude, capital da República Buriat, uma das províncias do império Mongol que ficou na Rússia, fazendo parte fiel da URSS e hoje, da Federação Russa.
As pessoas têm traços orientais, agora estou a 12 horas do Brasil e a 7 na frente da França.
Tenho a impressão de estar bem longe de casa...
Gérard e Dietrich chegam a tempo de jantarmos juntos em um Pub inglês, junto à praça principal da cidade e junto à impressionante cabeça de Lenin, a maior da União Soviética. Nossa despedida depois de três dias de boa convivência.
Após três semanas na Rússia, venho observando um fenômeno consistente e persistente: provocado talvez pelas comemorações dos 70 anos do final da II Guerra Mundial, comemorado no dia 9 de Maio na Rússia, mesmo que a rendição alemã tenha sido assinada no dia 8 (dizem que não quiseram acordar o Stalin no meio da noite...), a Rússia parece viver uma fase de importante nostalgia em relação ao período Soviético.
Em todas as cidades, as estátuas de Lênine e Karl Marx e tem sempre flores em seu entorno, a memorabilia referente ao período e grandeza da URSS está em todas partes.
Putin, de sua parte, tem trazido respeito e mais dignidade ao exército russo e também as forças de polícia, o que diminuiu muito a corrupção e a pressão nas estradas.
Assim, a palavra "patriotismo" está na moda na Rússia.
Considerando as fricções e conflitos existentes hoje nas fronteiras em torno desse vasto país, tenho minhas dúvidas se isso é algo positivo.
Refletindo sobre isso, após um forte abraço de Gérard, e com nuvens de chuva, tomo a direção da Mongólia, a apenas 250 kms de distância. Lembrando a frase do meu amigo Policarpo Jr., que disse: "A moto é um sonho que anda".

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Comentários (4)

2/9/2015 20:24:14
OTAVIO ARAUJO GUGU
Vc não sossega, né menino? Cada vez mais longe, mais aventureiro. Tenho conversado com o Eduardo sei que vc está bem. Siga com o Criador. Mande sempre notícias. Gugu
 
1/9/2015 16:47:53
ANTONIO LUGRIS
Se siente la gran energía y se aprecian las narraciones.Motociclistas como Ricardo dejan el buen ejemplo y dan ganas de dejarlo todo y partir...🌎🌍🌏
 
1/9/2015 13:15:24
MARCELO ARAÚJO
Que experiência maravilhosa! que a viagem seja sempre assim!
 
31/8/2015 13:25:51
CICERO PAES
Siga com Deus Ricardo Lugris !
 

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