Perseguindo o Amanhecer - Ricardo Lugris

15/08/2015 - Montanhas Urais

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Em uma fila interminável de caminhões, numa estrada de um revestimento usado, irregular, esburacado e perigoso, sob um aguaceiro inclemente há mais de quatro horas, fico me perguntando se teria sido realmente uma boa idéia falar em meu ultimo post, do excelente tempo que vinha tendo na viagem desde que saí de casa.
Que o bom tempo não iria durar por muito tempo, eu decididamente já sabia.
O que eu não esperava é que o tempo mudasse completamente assim, no dia seguinte, ao chegar às montanhas Urais.
Essas montanhas, de grande valor geográfico, histórico, estratégico e político, não são grande coisa quando se comparam a outras cordilheiras de renome. Acho que não fazem jus nem à Serra Gaúcha em termos de volume. Talvez porque eu tenha passado sob um mundo d'água e pelo seu extremo meridional.
A temperatura caiu de 15 graus (de 25 para 10) e a chuva resolveu vir com vontade para testar meu equipamento, material e paciência, pela primeira vez em quase duas semanas.
Todo motociclista sabe que a chuva faz parte da jornada, assim como o vento, o calor, a poeira, o nevoeiro e outros elementos que se juntam para dar o colorido necessário ao final da viagem.
Seria muito monótono você fazer uma viagem com o mesmo clima em toda sua extensão. Seria entediante.
Assim, vou tocando a BMW entre caminhões russos que me recebem com uma admirável concentração de CO2 emanando de seus escapamentos e o spray de pneus que, associado ao fato de que a superfície do asfalto está vincada pelo peso desses monstros ao longo dos anos, resulta muito delicado e mister ter certeza de onde colocar a roda dianteira sob o risco de derrapagem. A derrapagem de roda dianteira com uma moto carregada é chão na certa.
E chove. Para completar, pouca velocidade e a baixa temperatura teimam em embaçar a viseira do capacete.
Chego ao meu limite paciêncio-psicológico e decido fazer uma pausa para almoçar em um pequeno restaurante de beira de estrada.
Pelo número de caminhões estacionados, o rango deve ser razoável.
Ao lado do restaurante há uma feira dessas que vendem bugigangas para caminhoneiros e viajantes ávidos de quiquilharias.
Um particular objeto à venda, chama minha atenção pela sua quantidade:
De aço, com dois recipientes e uns tubos que os conectam.
Reconheço uma versão moderna, em inox, do velho e bom ALAMBIQUE!
Parece ser o objeto mais popular do lote, haja visto o número de unidades em oferta.
Esse povo faz sua própria vodka, em casa! (E depois, bebe no caminhão...).
Com um sorriso entre divertido e louco, entro no restaurante deixando um rastro molhado por onde passo.
O ambiente está quentinho e cheira a comida, uma sensação mais do que recompensadora.
Você pede o que quer comer no balcão. O menu está, obviamente, em russky.
Não reconheço nada e, como já havia gente esperando atrás de mim, peço: Borsch!
Trata - se de uma sopa de carne e beterraba muito popular na Rússia. Em qualquer boteco tem.
Deliciosa e nutritiva, é a pedida para quem vem de passar quatro horas no frio, sob a chuva, comendo fumaça e xingando mentalmente caminhoneiros russos.
Determinado, volto à estrada para confirmar que o tempo nos Urais pode ser inclemente e insensível, quando quer.
Continuo tocando a "Mobilete" por mais algumas horas até me aproximar de Cheryabinsky, importante cidade industrial na região, sem interesse turístico ou cultural, a não ser que você seja fã de arqueologia contemporânea e queira visitar um monte de fábricas soviéticas abandonadas e condenadas ao delabro e à ferrugem.
Nessa região há , entretanto, vários lagos muito bonitos, mencionados em meu guia sobre a Rússia.
Onde há lago turístico, há hotel para turistas, penso eu. É lá que eu quero uma banheira bem quente e uma cama enxuta....
Dirijo-me para a região, sempre sob um céu de puro líquido e tento em meu cirílico-GPS encontrar algum hotel.
Depois de conseguir chegar a um hospital, dois sanatórios e um SPA de recuperação de drogados, consegui finalmente achar um belo hotel junto a um lago, ao mesmo tempo que o sol resolvia aparecer para terminar a sacanagem comigo nesse longo dia.
Assim que fiz o check-in, a recepcionista foi buscar um pano para enxugar a poça deixada pela nuvenzinha deste Cascão motociclista.
Já no quarto, com as valises abertas, constato que as caras bolsas alemãs, Wunderlich, não aguentaram o objetivo para o qual foram concebidas e fabricadas e deixaram entrar água.
Resultado: roupa molhada.
Meu apartamento, indefectivelmente, vira um grande varal.
Verifico a bolsa da Touratech, também de fabricação alemã, que contém meu material de camping.
Tudo molhado, inclusive meu saco de dormir.
Assim, sem peso na alma, e por força das circunstâncias, decido ficar o dia seguinte junto ao lago, para esperar a secagem de minhas roupas e material.
Se te dão um limão, compre um alambique russo, fabrique vodka e, se conseguir açúcar, faça uma caipirovska.
Repouso, leitura e faxina estarão no meu menu do dia seguinte.


Ricardo Lugris
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